O Barbeiro
- Roberta Güttler de Oliveira
- 17 de out. de 2018
- 2 min de leitura

Seu trabalho era cortar cabelos. Era barbeiro. Mas não barbeiro-barbeiro, no pior sentido da palavra. Fazia seu melhor, apesar do resultado final ser sempre o mesmo.
Eram cabeças de homens, mulheres e crianças. Que ao fim de seu corte não tinham mais seus fios delineados ou bagunçados, mas sim seus couros cabeludos expostos pelas falhas.
Odiava seu trabalho, mas agradecia todos os dias por ter sido designado a essa função e não às outras piores.
Odiava e por isso mesmo tentava fazê-lo da maneira mais delicada possível. Não podia sorrir nem falar. Não podia expor qualquer emoção, senão o ódio. Ele também se sentia um prisioneiro. Nenhum outro soldado poderia perceber sua intenção.
De alguma forma, ele tentava dar não as boas vindas aos judeus ao campo de concentração, mas, sim, um pedido de perdão antecipado por tudo que cada judeu passaria dali pra frente.
O barbeiro do campo de concentração engolia seco a cada tesousarada, principalmente nas pequenas cabecinhas. Adquiriu, durante a criação de seus pais, de seus professores, de seu Reich, o poder de ter lágrimas secas, olhos sem brilhos, pois não poderia de forma alguma estar do outro lado. O medo era muito maior que a necessidade da lágrima escorrer pela sua face.
Em certo momento, chegou a invejar a menina judia que chorava pelos inúmeros sofrimentos que enfrentava. Não invejava sua dor, mas apenas seu livre choro.
Ele nunca soube se seus clientes judeus poderiam perceber seu pedido de perdão em seu toque. Nunca soube... mas preferia imaginar que eles escutavam através de suas mãos que não mereciam estar ali e que ele não cortava seus cabelos por vontade própria.
Com sua culpa sempre o atormentando, guardava todos os cabelos que podia. Enquanto os recolhia com a desculpa de jogar nas fogueiras, guardava em caixas vazias de munição. As mesmas munições que fuzilariam as pessoas enfileiradas com os cabelos cortados por ele.
No momento em que não suportava mais cortar toneladas e toneladas de cabelo diariamente, sem parar, deixou de comer. Fingia comer junto de seu pelotão. Jogava fora ou vomitava sua comida. Permitiu que doenças instalassem em seu corpo enfraquecido. No fundo, acreditava que o sofrimento de seu corpo adoecido era seu processo de desintoxicação, de purificação.
Em seu leito, no hospital de Berlim, assim que sentiu chegar às suas últimas respirações, permitiu-se encher seus olhos de água. Ao seu último suspiro, duas precisas lágrimas soltaram-se livremente de seus olhos trazendo o momento mais feliz de sua vida.
Estava finalmente sentindo-se livre.
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