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Banho

  • Foto do escritor: Priscila Pfau
    Priscila Pfau
  • 17 de out. de 2018
  • 3 min de leitura

Ela caminhava por aquele lugar e não enxergava água em parte alguma. Há alguns dias havia acabado por completo. O lugar era lindo, exuberante, verão no auge, sol rachando! A praia tinha um quê de selvagem. Os costões convidavam a caminhada. Gente por toda parte. Pessoas com roupas brilhantes, coloridas, cabelos raspados ou compridos com suas tatuagens, tranças e drealocks. Festas acontecendo na praia, nos costões, na floresta, nas trilhas e nas poucas casas construídas ali. Mais um fim de ano chegava e todos queriam apenas comemorar. Ainda havia comida, havia muita bebida alcoólica e drogas, em alguns lugares havia luz elétrica e em todos os lugares, pessoas dançando e celebrando.

Mas ela procurava por água. Queria beber água e tomar banho. Ahhh, um banho! Todos tomavam banho de mar, ela inclusive. Mas ela queria a sensação do frescor da água doce limpando o corpo.

Andou muito, exaustivamente! Sua mochila começou a pesar. O suor molhava suas roupas. Passou por casas e barracas. Não havia mais locomoção com carros. Tudo virou um caos. E por isso, tudo se tornara longe. Quanto mais andava e se afastava, menos gente encontrava. Ainda assim, todos sorriam, gargalhavam. Talvez não houvesse o dia primeiro de janeiro. Talvez o ano e o mundo acabassem ali mesmo. Talvez não. Talvez fosse apenas um momento no tempo. Talvez as coisas se normalizassem em alguns dias. Mas ela pensava apenas num banho.

Andou. Ao longe estátuas com formas estranhas povoavam um grande terreno com altas árvores nativas. Lá, algumas pessoas ocupavam o espaço, segundo elas mesmas, por apenas algum tempo. Logo iriam embora. Havia um lugar para preparar as comidas, haviam crianças correndo e pessoas conversando alegremente. Ofereceram frutas, que foram aceitas no mesmo momento. Eles teciam muitas coisas com couro, linha ou retalhos. Todos eram artesãos. Faziam suas roupas, sapatos, penduricalhos e bolsas. Pensava que podia ter entrado em alguma fenda no tempo. Estava com alguma comunidade hippie? Um movimento de contracultura? Mas não, parecia que eles simplesmente estavam ali, até o momento que não estivessem mais.

Um deles veio conversar. Falou sobre o vento, a terra, o espaço, o mar. Falou sobre o sistema, crenças e política. Falou sobre poesia, amor e liberdade. Falou sobre o que pensava e o que via. Falava com poucas e bem escolhidas palavras. Falava até mesmo em silêncio. Com sua pele branca, olhos grandes, olheiras escuras e cabelos castanhos bagunçados, ele penetrava na alma dela. Hipnotizando sua mente e seu coração. E então, como se adivinhasse o que estava no mais profundo pensamento dela, ele pediu que o seguisse.

Ela seguia ele, com o corpo e com os olhos. Ele tinha passos leves, corpo também leve e magro, que ficava ainda mais evidenciado com suas roupas jeans e de couro. A levou até o seu quarto. Ela ficou imóvel, preocupada, mas acabou entrando.

O quarto era um enorme quadrado, cimentado, escuro e sem pintura. Não haviam móveis, apenas um colchão velho de casal no chão, com lençóis desarrumados. No entanto, por todos os cantos do cômodo, haviam livros. Sem prateleiras, os livros formavam grandes pilhas pelo chão. Alguns caídos, alguns abertos, completamente desorganizados, formando uma paisagem louca e de rara beleza. Não era possível saber quantos livros estavam ali, naquela estranha biblioteca. Livros em várias línguas, sobre variados assuntos. Raridades e amenidades.

No teto, exatamente no meio do quarto, havia um chuveiro com uma corrente enferrujada pendurada. Ele puxou a corrente e a água começou a cair no meio do quarto, banhando o chão, respingando na cama e umedecendo os livros. Ele olhou para ela da forma mais profunda que alguém pode olhar um ser humano e então, saiu do quarto, deixando-a sozinha. Uma mescla de decepção, desejo e alívio tomou conta do seu corpo.

Assim, um pouco atordoada, ela tomou um banho na água gelada do chuveiro do quarto dos livros. Um banho receoso, sexy e consolador. A água escorria pelo corpo e tomava conta do lugar. Ela se banhava com medo. Medo de estar em algum lugar fora da realidade. Medo que alguém a trancasse naquele quarto para sempre. Medo. E por trás do medo, curiosidade. Folheou vários livros, sentou no colchão, sentiu o cheiro do lençol. Quem eram aquelas pessoas? Quem era aquele homem de olhar profundo e interessante? Quem faria um chuveiro no meio do quarto? Aquilo afinal, era um quarto? Onde ela estava?

Pegou sua mochila e colocou roupas limpas. Seu coração foi tomado de expectativa na hora de abrir a porta. Empurrou a pesada maçaneta. Estava aberta! Todos permaneciam nas suas conversas e afazeres, agora, indiferentes a ela. Assim, com a alma limpa, ela foi embora. A vida continuava lá fora!


 
 
 

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