A Criatura de Bendengó
- Paulo Bossle
- 17 de out. de 2018
- 4 min de leitura
A aproximação da espiral de Andrômeda era o que precisava aquele minúsculo corpo. Sua composição composta de átomos de carbono e hidrogênio necessitava de ligações externas que o protegessem até sua gênese. Andrômeda abrigava nos sóis, nuvens de poeira e gases em uma fórmula capaz de produzir a fusão necessária para proteger o seu desenvolvimente. O meteoro que passeava na vastidão do espaço era enorme. Seu diâmetro ultrapassava 100 kms. O desgaste era minimizado,mas mesmo assim ocorria. Seu abrigo no meteoro era em uma cavidade natural, onde caprichosamente estava depositado uma quantidade de ferro e níquel que a ajudariam na proteção. Já estava vagando por milhares de anos e via sua chance de proteger-se cada vez mais perto. Uma explosão enorme, resultado de uma colisão com outro corpo celeste, resultou na fragmentação incontável do enorme meteoro. A força do choque atingiu o meteoro perto de onde estava, provocando uma fusão de elementos que o acaso juntou numa cápsula de ferro e níquel, lançando-o em uma órbita maluca em direção a outra galáxia. Sua viagem de milhões de anos não foi capaz de impedir o seu destino. Sua construção molecular extraordinária ia, naquele receptáculo,armazenando conhecimentos. Sua forma, ainda não definida, se completaria somente no seu destino final. Uma explosão, seguida de forte calor, com uma velocidade de 50 mil Kms/hora, projetou o corpo celeste para seu destino. Um buraco enorme formou-se na superfície do objeto que usou de sua força gravitacional para atrair o meteoro e seu conteúdo tão esperado. Durante muito tempo a criatura ficou dentro do ferro e níquel aprendendo para criar. Com uma capacidade intelectual imensa, viu a superfície e os seres que lá viviam transformar-se, Viu plantas sendo criadas e tranformadas. Viu animais minúsculos em sopas mágicas se modificando e multiplicando-se em gêneses fantásticas. Era a evolução em estado puro. Escondida em seu receptáculo, a criatura observava tudo ao seu redor, esperando o momento certo do toque. Observou animais migrando da terra para o ar e para a água. Observou a luta feroz pela sobrevivência e preferiu não interferir. Observava e observava. Um ser em especial lhe chamava a atenção, mas ainda era cedo. Preferiu esperar que a evolução trabalhasse com mais paciência, até que resolveu escolher. Em movimentos coordenados, usando as variações climáticas e do solo, a estrutura emergiu parcialmente. Um potente raio a atingiu, chamando a atenção dos animais que estavam por perto. A curiosidade de uma espécie levou-os a chegar mais perto, a ponto de alguns a tocarem. Sua aparência brilhante aumentava sua luminiscência cada vez que era tocada, produzindo uma verdadeira histeria coletiva. O toque havia sido dado. Era o início da humanidade! Essa história tem muitas versões pelos mais diversos recantos da Terra. Provavelmente muitas outras criaturas espalharam-se pela Terra. Passou-se milhares de anos até que houvesse um novo toque. A escolha recaiu sobre um menino na localidade de Monte Santo, no ano de 1784. A escolha do menino era parte de um processo que foi interrompido quando resolveram tirá-la de seu lugar original, pacientemente escolhido a milhares de anos. No transporte, em movimentos imperceptíveis, a estrutura moveu-se e caiu no leito de um rio,ficando ali por mais 100 anos terrestres. A curiosidade e ambição a levaram para a cidade do Rio de Janeiro, onde, após a examinarem, resolveram fatiar a estrutura. O corte longitudinal, utilizando-se de ferramentas criadas pelo conhecimento, causou um dano irreparável no cérebro da criatura, que já estava quase totalmente integrada ao corpo celeste. Sua recuperação levaria milhares de outros anos. A estrutura cortada, exposta e tocada produzia efeitos estranhos ao seu redor. Para alguns trazia alegria, para outros riqueza, para outros conhecimento e para muitos raiva e ódio. Outros não conseguiam progredir. Como pessoas e seres humanos. Criou-se, ao redor da estrutura viva uma sociedade diversificada e confusa. Tudo ao redor era pacientemente destruído. Os rios ficavam sujos, inundando o mar límpido. Árvores eram cortadas impiedosamente empurrando uma classe de animais para o morro e outra para fora dele! Aves começaram a migrar para longe dessa influência maléfica inexplicável. A estrutura sofria, pois parte de seu consciente formado via o que acontecia sem nada poder fazer. Seus conhecimentos acumulados foram fatiados. Sabendo que nada poderia fazer por aquela sociedade, resolveu por fim a sua existência. Um movimento imperceptível foi o suficiente para que um raio caisse sobre ela, refletindo de forma devastadora para o prédio onde estava,causando um incêndio de grandes proporções que começou a devastar o prédio. Sua vida, exposta pelo corte na rocha, começava a esvair-se. O incêndio começou a ser controlado impedindo sua morte completa. Em movimentos lentos, a estrutura gerou, com a força de sua dor acumulada, um calor que começou outro e mais terrível incêndio, capaz de destruir tudo ao seu redor e sua própria vida. Todo o seu esforço, nessa viagem espetacular, acumulando conhecimento, foi perdido. A criatura falhou na escolha de quem deveria ter dado o primeiro toque. A criatura deveria ter observado melhor os animais à sua volta. Enganou-se redondamente. Escolheu o pior animal que habitava aquele planeta azul para o primeiro toque. Morreu a criatura e parte de nós. Nos resta agora olhar para os céus e esperar que o acaso nos traga outra criatura.

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