O Marido de Dona Irene
- Paulo Denis Pereira
- 12 de nov. de 2015
- 2 min de leitura

Os vizinhos estranhavam as brincadeiras que dona Irene fazia com o irmão Arlindo. Dava-lhe socos nos ombros, abraçava-o, fingia estrangulá-lo. Numa tarde de calor infernal, Arlindo deu um banho de mangueira na irmã, bem na frente da casa. O vestido ensopado e quase transparente revelou a todos suas roupas íntimas e suas fornidas formas. O verdureiro parou de supetão a carroça e olhou-a com embaraço e volúpia. O marido, homem miúdo e bonito de rosto fino e fundos olhos verdes, olhava a mulher e o cunhado num acabrunhamento quase bovino. Tossia encabulado e abaixava a cabeça. Ficava olhando as unhas dos pés, que sempre foram tortas e não careciam de tanta admiração. Ajeitava o chinelo entre os dedos e começava a massagear o joanete. Era uma esfregação que só tinha fim quando dona Irene e Arlindo sumiam da vista dele. Dona Irene era empregada doméstica e Arlindo, açougueiro. O marido, sem ocupação, sofria de anemia e tristeza. Suspeitava-se, até, de doença ruim. Ela lavava as cuecas do irmão e cantarolando às estendia no varal bem à vista de todos os vizinhos. Poderiam pensar que era provocação, mas dona Irene era assim mesmo: despachada, sem segredos. O marido morava nos fundos do terreno, numa pecinha de tábua compensada em que mal cabiam sua cama, o penico para as dejeções noturnas e o radinho de pilha para os noticiosos e programas esportivos. Ele lavava suas próprias roupas, mas uma vez (e só desta vez!) rebelou-se quando dona Irene entregou-lhe a trouxa de roupas sujas de Arlindo. Ele espichou ainda mais sua cara comprida, murchou-a e, o mais que fez, foi trocar a estação do rádio. Ela ficou feito boba com a trouxa na mão. Depois do incidente, ele ainda viu o filho mais velho a mostrar orgulhoso para o tio Arlindo como sabia andar de bicicleta. Voltou com seu radinho para o catre. Nem lágrimas verteu, apenas comicharam-lhe os olhos e o peito apertou-se mais uma vez. Dava até dó quando a família ia à igreja no domingo. Dona Irene e Arlindo iam à frente, falantes e faceiros, seguidos das crianças, não menos alegres. No rastro delas, bem uns cinco metros atrás, vinha o marido, puxando o Biriba pela coleira. Certa vez ele tropeçou, fazendo Biriba latir. Pois dona Irene, em vez de ralhar com o cão, repreendeu severamente o marido: - Pelo amor de Deus, não me faz passar vergonha na frente do povo! Os visitantes, ao adentrarem na sala de visitas de dona Irene, olhavam por longos instantes, curiosos ou constrangidos, a foto do casamento dela, emoldurada e pendurada ao lado de um calendário com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Era uma fotografia retocada, quase uma pintura, em que ela aparecia radiante, feliz, ao lado do marido cujo nome ninguém na Vila Ingá nunca soube precisar. Afinal, ninguém foi convidado para seu enterro. Por três dias e três noites Biriba guardou seu túmulo até ser resgatado pelo caminhão ao singelo lar de dona Irene, que mudou-se com seu mistério para outras paragens.
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