Uma Estrada, Dois Caminhos
- André Güttler
- 20 de jul. de 2015
- 3 min de leitura

Uma vida, uma história, uma missão. Não são poucos os momentos de reflexão, dia após dia nos perguntamos outra vez. Às vezes distante da razão e fora do tempo, qual o caminho a seguir. Minutos, dias, semanas, décadas; conduzimos a vida na harmonia dos passos curtos, em sintonia segura. E por onde vagueia a arte da inacabada sinfonia maior? Será hoje apenas mais um mesmo dia como tantos outros? Com certeza sim, se a opção for simplesmente ignorar os mistérios da rotina. Por que não oferecer uma oportunidade para, quem sabe, deixar a noite falar, ou aquele impulso repentino se manifestar?
Dias atrás um fato chamou minha atenção, no retorno de mais uma viagem pelo interior, véspera do feriado de Corpus Christi, dia ensolarado e bonito, daqueles capazes de enriquecer ainda mais a fascinante paisagem outonal. Hora do almoço se aproximando e a inevitável parada. Carro estacionado, e como de hábito, observava algumas placas no caminho para o restaurante. Imediatamente dois carros ocuparam as vagas ao lado do meu. O carro na minha esquerda era do município de Casca no RS, e o da direita também. Casca, o nome é esse mesmo. - Devem estar viajando juntos – foi minha primeira impressão – até porque chegaram juntos. Bastaram mais dez segundos apenas, e interessei-me pelo perfil daquela situação. Do veículo da esquerda – uma imponente BMW preta – desembarcaram um casal e mais três filhos entre doze e vinte anos. Cada um preocupado em colocar fones de ouvido, mexendo nos celulares, misturando resmungos com palavras, enfim, entraram no restaurante bastante irritados. Provavelmente por causa da fome. Não tão rapidamente, saíram do outro carro também um casal e dois filhos, uma menina aparentando cerca de doze anos e um menino de talvez cinco anos. Passaram por mim em direção ao restaurante e não pude deixar de observar o carro: um Fiesta bem antigo, ano 98 pelos meus cálculos, muito bem conservado. De cor indefinida, entre um laranja e marrom metálico, e pneus novos, o veículo irradiava simplicidade e personalidade. - Definitivamente não estão viajando juntos – concluí comigo mesmo. Lá dentro as famílias acomodaram-se em ambientes distintos, a da BMW na ala do espeto corrido e a do Fiesta no lado contrário, decidiram fazer um lanche apenas. No local havia um balcão com alguns livros e revistas, e pai e filha lá aguardaram até o lanche ficar pronto. Folheando aqueles exemplares e conversando com a filha, os contrastes entre as famílias eram evidentes. Do outro lado a refeição já estava servida e todos, com exceção da mãe, não desgrudavam dos celulares, absolutamente ninguém falava. De volta à movimentada estrada, o Fiesta saiu na frente e mantive o mesmo ritmo logo atrás. Passados uns vinte minutos, adivinhem qual carro estava atrás do meu? A BMW preta grudou no meu pára-choque, na espreita para fazer a ultrapassagem o mais rápido possível. Bem que tentou, mas para azar dele naquele trecho haviam sucessivas curvas e filas intermináveis. Bastou uma olhada mais atenta pelo retrovisor e tive a sensação de que um tubarão estava prestes a me engolir. Enquanto isso acabei memorizando as letras da placa do Fiesta a minha frente: IEU. E logo ali atrás a dianteira do carro aparecendo a cada cinco segundos no meu retrovisor esquerdo começava a me incomodar. Desacelerei, dei passagem e rapidamente ele finalmente fez a ultrapassagem. A alegria durou pouco, afinal ele precisou entrar na minha frente. Acelera, freia, pisca ligado, puxa para esquerda, puxa para a direita, coitados daqueles passageiros. Tudo em conformidade com as letras da placa do carro: IRA. Trecho sem curvas, logo o carro preto ultrapassou uma fila inteira e sumiu de vista. Parei para abastecer, o Fiesta parou também no entanto não abasteceu, estacionou um pouco mais adiante ao lado de um pequeno lago. Saindo do posto, passei perto deles e acenei, lá estavam os passageiros tomando chimarrão, a filha lendo uma revista e o menino brincando com o quinto passageiro, um pequeno e saltitante cachorro. Na sequencia, muito trânsito, barreiras, e uma imensa blitz na polícia rodoviária parando diversos veículos. O policial pediu que eu parasse porém logo me liberou sem pedir documentação, nesse instante não pude deixar de reparar numa BMW preta parada, com os passageiros fora de carro e o motorista sendo autuado. Voltei para a pista, e bem na minha frente aquele mesmo Fiesta assumiu tranquilamente nova posição. Faltando poucos quilômetros para chegar em casa, agora já na BR-101, o carro preto passou em alta velocidade por inúmeros veículos de uma só vez, possivelmente em estado de fúria. Tive a impressão de que o motorista do simpático Fiesta pensou consigo mesmo: “I EU com isso?”
A vida apresenta-se para nós todos os dias; a nossa história continuará sendo escrita, de um jeito ou de outro. A missão de cada um, cabe somente a nós a busca pela escolha em transformar nossa vida numa história melhor, diferente, interessante... e menos irada!
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