O Porteiro, ou sobre Cabelos, Mudanças e Opiniões
- Lívia Pizauro
- 20 de jul. de 2015
- 1 min de leitura

Foi ao cabeleireiro, mudou corte e cor. Não poderia chamar-se de mudança radical, mas era perceptível. Alguns notaram, outros não. O porteiro notara. Ele tudo notava. O porteiro sabia de tudo. Alguns gostaram, outros não. Muito curto, muito longo, cor estranha, te deixa triste, menos repicado, mais claro... Perceptível é questão de perspectiva. O porteiro, esse ser onipresente e onisciente, ele sabia que, quando ela mudava o cabelo, uma revolução silenciosa acontecia naquele apartamento e naquela menina. O porteiro que a via chegar e sair, em trajes diversos, conhecia suas companhias: Quanto tempo, hein!, ou Como vai sua mãe?, dizia às visitas. O porteiro que recebia e despachava suas encomendas, que acompanhava seus hábitos alimentares, sua rotina desordenada e seus extensos horários de sono, já conhecia também o seu olhar. Os seus olhares. Baixos, úmidos, brilhantes ou dispersos. Era discreto, evitava comentar, e apenas oferecia, levantando as sobrancelhas e sorrindo, sua compaixão e empatia. Cortou o cabelo, e era impossível dizer se ele aprovara ou não. O porteiro. E ainda se indagava sobre isso quando, uma noite, ao adentrar pelo portão, ouviu, surpresa (as sobrancelhas pareciam não se mover): Boa noite! Chegou a conta de luz, a faxineira vem no sábado, faz tempo que você não vai ao cabelereiro, né?
Comentários