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O Dia que o Mundo não se Calou

  • Roberta Güttler de Oliveira
  • 20 de jul. de 2015
  • 3 min de leitura

Queria chegar ao topo. Foram anos de preparação. Estudou muito todo trajeto a ser tomado. Exercitou-se. Pediu consultoria dos melhores profissionais.

Treinou mentalmente e fisicamente nos últimos cinco anos. Economizou pra poder comprar os melhores equipamentos. Foi a vários lugares similares a sua meta no mundo... mas esses ainda não eram a montanha mais alta do planeta.

Seu sonho não era as alturas e sim, o silêncio. Tinha o desejo de escutar a mudez absoluta da natureza. Não falou a ninguém que esse era seu maior objetivo... Quem haveria de compreendê-lo?

Chegou o dia da subida. Ao pé da montanha mais alta do globo, dobrou seu corpo pra trás, levantou a cabeça e os olhos ao máximo que podia e avistou o cume em gelo. Tomou coragem e, com o coração acelerado e bagagem nas costas, deu o primeiro passo.

Foram dias de subida. O trajeto inteiro foi difícil com as costumeiras tempestades de neve e vendavais. Por sorte, as avalanches não apareceram. O desafio físico foi mais fácil de superar comparado ao que se passava pela sua mente. Fisicamente estava muito bem preparado...mas, durante às noites até o tempo parecia estar congelado.

Na última noite não resistiu e se rendeu ao conhaque que carregava pra comemorar a chegada ao topo. Nunca havia passado tanto frio. Sentia seus ossos estalarem. Ao dar os primeiros goles, sentiu como se o fluido passasse por cada centímetro do seu corpo, aquecendo-o em câmera lenta. Nos goles seguintes, seus pensamentos já não faziam sentido algum.

Pensava de maneira confusa apenas no silêncio e o quanto aquilo tomou parte de sua vida. O silêncio era um fascínio tão grande que, para tentar compreendê-lo, foi estudar o som. Sabia todas suas propriedades físicas, suas frequências, velocidade e comprimentos. Nunca entendeu o por quê da não existência de uma classificação cartesiana entre som e ruído. Pra ele, enquanto não escutasse o mundo calado, tinha a sensação de que todos os sons ao seu redor eram ruídos, aquilo que não agrada aos ouvidos.

Percebeu que o dia havia amanhecido...estava um dia perfeito pra terminar sua jornada. Desmontou a barraca, guardou tudo, respirou fundo e continuou a escalada. A cada pino preso na montanha, a cada passada de corda, mais seu coração aquecia-se com seu ritmo de batimento cada vez mais rápido.

Chegou ao topo. Estava eufórico, mas não gritou. Não queria quebrar aquele momento mágico e taciturno. Apenas ficou calado e logo sentou-se no cume para, enfim, entender o silêncio absoluto da natureza...fechou os olhos, como se a visão pudesse achar algo que fizesse som.

Por apenas alguns segundos sentiu-se completamente preenchido pela sensação de que valeu a pena todo esforço...por alguns segundos achou escutar o mundo mudo. Mas, a medida que ficava mais emocionado e mais concentrado, percebia um ruído distante.

Assim como nos outros cumes mais baixos, a frustação sempre aparecia no momento em que o bater de asas de uma ave ecoava. Abriu os olhos procurando o pássaro. Ficou confuso pois nada avistou. Fechou os olhos mais uma vez...e, mais uma vez, pode ouvir o bulício.

Resolveu decifrar de onde vinha aquele barulho. Como se pudesse percorrer o mundo inteiro naquele momento com seus ouvidos, percebeu que era um som parecido ao de um encanamento com água corrente e um tambor ao fundo.

Ficou extasiado quando finalmente descobriu a fonte do ruído. Não eram encanamentos nem tambores, mas sim, seu próprio coração batendo e seu sangue correndo por suas veias e artérias. O silêncio do mundo externo era tamanho que poderia escutar seus órgãos funcionando.

O que antes era ruído aos seus ouvidos passou a ser um som rítmico e agradável. A música do seu corpo deu outro sentido ao silêncio...percebeu que nunca poderia entender o silêncio absoluto...ao menos se nada existisse ou tivesse vida.

Percebeu como o som e ruído são democráticos e relativos... De volta a sua vida de latitude mais baixa, entendeu como ouvir diferente o fez enxergar e, principalmente, sentir sem preconceitos tudo e a todos.

Com seus sentidos abertos e desarmados ao mundo, achou o segredo de sua felicidade...


 
 
 

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