top of page

Reticências...

  • Jorge Motta
  • 3 de jul. de 2015
  • 2 min de leitura

11694984_378213752388711_7499578464116210426_n.jpg

Tenho lido ao longo dos anos muitas aflições, muitas emoções, muitos excessos, muitos absurdos... muita literatura boa. Tenho prestado a minha atenção à gramática, à ortografia, ao léxico, à etimologia, aos neologismos, às gírias, aos anglicanismos, ao internetês... e não sei ao certo a quantas outras criações das redes sociais... Creio que começaria a tergiversar. Comecei a escrever um comentário em um post e percebi que seria melhor transformá-lo em um texto para ser analisado e/ou debatido por quem ama a linguagem... por quem produz Um Texto Para Mim... Sem querer ser ambivalente mas sabendo que escreveria uma defesa às reticências e uma acusação ao ponto final, acabei por reconhecer que a escrita, para conter emoção, crítica, cinismo, ironia, romantismo, comédia... seja prosa ou poesia, necessita dos seus Cronópios (as reticências e exclamações), seus Famas (pontos finais)e seus Esperanças (vírgulas, aspas, parênteses e os etcétereas). Isso é inspirado no livro Histórias de Cronópios e de Famas de Julio Cortázar. O ponto final e os três pontiinhos Era toda vez o único ponto. Unânime e final. O singular ponto. Bastante em si mesmo. Errôneo, ainda que cravado ao final de uma ideia mal escrita. Totalitário encerramento de uma inverdade maldita. Ditador de um argumento impositivo. Definidor de um preconceito. Dogmático fecho de um credo. Verdugo que abrevia a sequência de um parágrafo livre. Algoz inquisidor que tortura palavras conjuntivas. Como o titã Cronos que devora as crias, o ponto final é usado no final de um período, marcando uma pausa absoluta. Não compreende o contraste, não exime o erro e é um ponto final. Tiraniza conjunções adversativas, aborta os ideais traduzidos em “todavias”, pensados em “poréns”, cala aos boquiabertos “mas”. Declarativo, o afirmativo ponto finalizador traz na sua etimologia a firmeza, rigidez, inflexibilidade, a certeza, a sentença. No mesmo contexto, aguardam alguns outros sinais... Mais gráficos que gramáticos... Mais prosaicos que arcaicos... Entre estes, os reticentes, indecisos, indefinidos, tão precisos quanto necessários, tão lindos quanto podem quando expressam um olhar, tão luminosos quanto necessários quando permitem um resmungar... uma licença... uma risada... Três pontos, reticentes pontos plurais, admitem erros, sejam estes erros gramaticais, ortográficos, sintáticos ou léxicos... Podem pedir uma bela maiúscula logo após, quando entre os três existe um ponto quase final... ou uma humilde minúscula quando são somente uma pausa gráfica que substitui um desvio de olhar... um riso no canto da boca... Não expressam um final de parágrafo mas exprimem a beleza da linguagem... Suavizam a dureza da ditadura léxica... Servem como duvidosas vírgulas, nos deixam brincar de escrever... assim como se fossem sutis interrogações ou escondidas exclamações! Os astrônomos desde a antiga idade detectaram as suas licenças bem no meio da página do céu... A estes pontos celestiais aprendemos desde a infância a denominar Três Marias... O Cinturão de Órion... Mintaka, Alnilan e Alnitak são as reticências do céu noturno! As reticências são sinais com poder de sugestão e cores melódicas... auxiliares da linguagem afetiva ou poética e seu uso depende do estado emotivo do escritor... Mas, como o observador que contempla as Três Marias num trajeto ilusório pelo preto azulado da noite, o leitor precisa entender que os três pontinhos não obedecem regras, pois cada verso, estrofe, quadra, diálogo, parágrafo pode ser um soluço... uma constelação... cada uma com seu cinturão.


 
 
 

Comments


Destaque
Tags

Um Texto para Mim

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Google+ B&W
bottom of page