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O Violinista

  • Roberta Güttler de Oliveira
  • 3 de jul. de 2015
  • 5 min de leitura

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- A Música -

Todas as manhãs a moça descia do seu ônibus ao chegar no terminal central. Caminhava pelo calçadão da cidade enquanto as lojas ainda nem estavam abertas. Sempre observava as pessoas, cada uma indo em direção ao seu local de trabalho. Escutava o som dos passos delas causados pelo toque dos calçados nos mosaicos de petit pavé. Parecia o som do cavalgar de cavalos.

Na rua detrás do mercado público açoriano, de cor amarelo queimado, esquadrias verdes escuras, com suas cimalhas, eiras e beiras, sempre estava um rapaz novinho tocando seu violino. Era só cruzar a esquina para adentrar na rua que já podia ouví-lo. Caminhava uns vinte metros e passava na frente dele lentamente.

Admirava sua música. Não lhe parecia ser um especialista, talvez um aprendiz mediano...mas o som ecoava de seu instrumento de alguma maneira especial, chamando mais atenção daquela moça do que os outros costumeiros músicos que tocavam na região.

A moça sempre fazia questão de acalmar seus passos só pra sentir a música do violinista por alguns segundos a mais. Chegava a respirar fundo enquanto estava bem a sua frente, tendo sempre a sensação que a música poderia entrar no seu corpo e alcançar sua alma. Era como uma energização para começar seu dia feliz e bem disposta.

O rapaz nunca reparava na moça. Estava sempre com seus olhos fechados, introspectivo em sua música, balançando levemente seu corpo embalado pela melodia e movimento de seu braço direito. Na caixa de seu violino havia sempre poucas moedas e notas de dinheiro de baixo valor.

Numa manhã, o rapaz não estava lá. A moça sentiu sua falta. Percebeu então, que nunca havia deixado uma moedinha sequer a ele. Faria isso no dia seguinte, mas o rapaz também não apareceu.

Nos primeiros dias de ausência, a moça passava chateada pela rua, pensando onde ele poderia estar, o que havia acontecido com ele. Seria algo bom ou ruim?

Os dias foram passando e a moça o esquecendo. Seus passos por aquela rua já eram apertados e faziam parte agora da sinfonia da cavalgada dos sapatos.

Mais um dia comum se iniciou. Ainda pela manhã, a moça já estava cansada, pois não havia dormido bem. Sua filha teve pesadelos e chorou quase a noite inteira. Andava pensativa pelo centro da cidade em direção ao seu escritório, organizando mentalmente suas tarefas. Estava preocupada com a reunião que teria logo cedo. Até que escutou aquela melodia. O som entrou nos seus ouvidos como se fosse um perfume calmante no ar.

Dobrou a esquina e confirmou o que já sabia. O rapaz músico havia voltado. Porém, tinha algo diferente em sua música...deu-lhe a impressão de melancolia. Mesmo assim, ficou feliz em escutá-la novamente e usá-la de instrumento para se reconectar com boas energias. Antes mesmo de se aproximar do rapaz, a moça abriu sua carteira, pegou umas moedas e um comprovante de cartão de crédito de alguma compra que fez. Meio atrapalhada, enquanto segurava sua bolsa e as moedas, apoiou o papel na parede amarela do mercado público e escreveu um bilhete.

Ao passar em frente ao rapaz, cheirou a melodia, olhou seu rosto, viu seus olhos fechados e deixou as moedas e o bilhete na caixa do violino. Continuou caminhando e percebeu que a música foi cessada abruptamente. Não olhou para trás. Imaginou que o rapaz estava lendo o bilhete.

- O Bilhete -

Estava triste. Passaram-se dois meses de experiência do emprego de balconista de uma loja de rede de telefonia, mas infelizmente o gerente falou que não tinha experiência pro cargo, que era tímido demais.

O problema é que dias antes escutou uma conversa de funcionários reclamando ao gerente que ele deveria contratar balconistas mais apresentáveis, pois, além de ser negro, o rapaz tinha uma mancha branca no rosto que chamava muita atenção dos clientes.

Quis realmente acreditar que não passou no teste devido a sua timidez, que de fato era tamanha. Teria que voltar a tocar seu violino na rua pra poder ajudar nas despesas de casa. Seu pai trabalhava como pedreiro e sua mãe como diarista. Tinha também seu irmão mais novo de dez anos.

Era uma família feliz. Seus pais eram carinhosos e tinham muito orgulho de seu filho violinista. Nunca imaginariam que um filho seu pudesse ter tal talento e oportunidade de aprender. Incentivavam muito e sonhavam que seu filho pudesse viver daquela arte. Mas, infelizmente, o rapaz já estava em uma idade que deveria ajudar em casa e não ser mais sustentado.

Aprendeu a tocar violino com seu vizinho. Um homem vivido que se sustentava de bicos. Um dia percebeu o menino, com seus 10 anos, espiando-o tocar em casa sozinho...e começou a ensiná-lo. Apresentou-lhe o mundo dos clássicos e o menino ficou fascinado.

Estava triste porque queria ajudar seus pais com seu emprego, continuar seus estudos a noite, se formar no ensino médio, aprimorar sua técnica musical e viver da arte. Mas seus planos não deram certo, sua autoestima que já era baixa estava no chão. Achava que ninguém o apreciava, muito menos a sua música. Não tinha perspectivas a não ser ajudar seu pai na construção civil. Faria de bom grado, mas estava triste pela rejeição que sentia do mundo...sempre o enxergavam como o menino negro da mancha branca.

Voltou a tocar naquela manhã e a tarde iria falar com seu pai. Antes, enquanto tocava, vivia seu mundo de sonhos. Sonhava em ser apreciado. Sonhava com o sorriso dos outros ao ouvirem sua música. Mas naquela manhã sentia tristeza e vergonha de si mesmo. Pensava que nem pra ser um balconista ele servia, quanto mais um violinista. Estava triste, iria desistir de de seus sonhos.

Enquanto tocava, poucas moedas apareciam na caixa do violino. Assim que escutava o barulho das moedas caindo, abria seus olhos e dava uma espiada. Mas daquela vez, não viu somente moedas, viu também um papel dobrado.

Parou de tocar, achou que alguém havia deixado cair o papel por engano. Deveria entregar logo ao seu dono. Ao desdobrá-lo, viu que era um bilhete direcionado a ele mesmo. Seu coração acelerou. Seus olhos brilharam. E seu sorriso se abriu. Procurou em sua volta pela pessoa que entregou o bilhete, mas não sabia quem era.

Decidiu continuar tocando seu instrumento todas as manhãs, agora feliz e de olhos sempre abertos pro mundo ao seu redor, tentando descobrir quem lhe escreveu. Decidiu não desistir de seus sonhos, continuaria buscando emprego e pagaria um curso de aperfeiçoamento musical. Decidiu não se enxergar mais como um rejeitado e sim, mostrar a si mesmo do que é capaz. Decidiu que seria feliz na vida.

E assim foi. Realizou seus sonhos...conseguiu um emprego e pode pagar aulas particulares para se aperfeiçoar. Conseguiu entrar para a faculdade de música. Tornou-se um profissional, para seu orgulho e de sua família. Foi um caminho difícil, um tanto torto. Levou o dobro do tempo normal para se formar pois tinha que dividir seus estudos com o trabalho.

Durante toda sua vida, mesmo com sua rotina atribulada, dando aulas em escolas de música e viajando pra se apresentar em concertos, tocava, uma vez por semana, no centro da cidade onde estava em forma de lembrar de onde vieram suas forças e em agradecimento a pessoa que mudou sua vida. Toda vez que abria a caixa de seu violino, lia:

"Você fez o meu dia mais feliz e bonito. Você é especial. Obrigada!

PS: Ao menos uma vez, abra os olhos para o mundo..."

Desde então, decidiu sempre tentar fazer o dia de alguém mais feliz.


 
 
 

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