Minha Vida em Três Envelopes
- Paulo Bossle
- 3 de jul. de 2015
- 2 min de leitura
Dia 01.07.2015. 15:00hs Espero minha senha aparecer no painel. O som é o mesmo que encontro em diversas repartições federais. Sempre acho que uma voz poderia humanizar esse aviso. Enquanto espero, repasso minha vida mentalmente. Às vezes lentamente, às vezes rapidamente. Divago sobre as cores das paredes com uma pintura velha, os móveis, as mulheres de meia idade com excesso de maquiagem e roupas extravagantes, onde nada combina com coisa alguma. Comecei a trabalhar em 1975 – dia 14 de maio. Até agora não parei. Nunca me imaginei parando ou qualquer outra coisa que me fizesse estancar essa sede por estar na rua “fabricando” meu sustento e de minha família. Enquanto trabalhava, sempre imaginava o dia que eu não precisasse mais trabalhar e contribuir. Sempre me pareceu uma coisa distante. Viajei, vendi, tive sucesso, fracassei. Nunca esmoreci. Nunca me deprimi. Aceitava as coisas do jeito que elas vinham. Apreciava o ditado : “ Se a vida te der limões, faça uma limonada.” Apreciava a vida de José do Egito, que me fazia sempre lembrar de sete anos de fartura e sete de pobreza. Instintivamente, sempre me preparava para isso
. Chegava a contabilizar os anos e os fatos ocorridos nesses anos para saber quando era fartura e quando era pobreza. Muitas vezes eu trapaceava para esconder a pobreza com mais trabalho e enquadrar os períodos de bonança. Enfim, coisas que a gente pensa e normalmente não fala para ninguém. Minha senha é chamada. Levanto-me lentamente da cadeira e tomo a direção do escaninho onde vou entregar três envelopes para uma desconhecida, que vai conferir com enfado os documentos de minha vida e ver se tenho direito à aposentadoria.

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