top of page

O Guru

  • Anamaria Kovács
  • 8 de jun. de 2015
  • 2 min de leitura

Conhecia-lhe os escritos e o nome. Admirava suas frases elegantes, os pensamentos puros, as lições de vida. Tinha em casa toda a coleção de suas obras, que não se cansava de ler e estudar. Sublinhava trechos, decorava citações, procurava, principalmente, viver de acordo com seus preceitos.

Não era rica, era artista, mas, de vez em quando, vendia um trabalho por bom preço. O que sobrasse depois de comprar o essencial e os livros, ela guardava, pois tomara uma decisão: precisava ver esse guru, conversar com ele, sentir sua presença face a face. Seria maravilhoso encontrá-lo! Valeria todos os sacrifícios.

Conseguiu, ao fim de dois anos de economia, o suficiente para uma passagem de avião. Chegou à Índia e extasiou-se com tudo: a paisagem, o povo, a cultura milenar. Logo se integrou à massa de peregrinos que se dirigiam para o interior, onde o guru vivia em isolamento e meditação.

O caminho era longo e penoso. O dinheiro acabou. Realizou alguns trabalhos, que vendeu, ao passar por uma cidade. Depois, passou a fazer como os outros – mendigava. Caminhou durante meses, dormiu ao relento. Fez amizades, sofreu decepções. O grupo diminuiu bastante.

Quando, finalmente, chegaram ao destino, eram apenas sete.

O reduto do guru era no alto de uma montanha, cercado de árvores e arbustos. Um regato serpenteava sob a vegetação, atrás de um templo branco a cuja porta foram recebidos por um monge austero.

-Queremos ver o guru – disse o líder do grupo.

-Assim como estão, é impossível – respondeu o monge. – É preciso fazer primeiro uma semana de purificação.

-O que devemos fazer? – perguntou o peregrino.

-Meditar, banhar-se no riacho que passa lá atrás. E devem alimentar-se unicamente de abóbora.

-Abóbora?! – espanto geral.

-Sim.

Dois desistiram ali mesmo: detestavam abóbora. Os outros hospedaram-se no anexo do templo. O primeiro dia foi agradável. Um bom descanso num aposento limpo, a tranquilidade do lugar, o banho no riacho e a abóbora às refeições: doce ou salgada, frita, em purê, em sopas, saladas, bolos, pudim. Uma delícia.

No segundo dia, ao jantar, comer abóbora já não foi tão fácil. No terceiro dia, mais dois desistiram. Em função da abóbora. Ao final da semana, ela emagrecera uns quilos, mas sentia-se ótima. O monge que os atendera bateu à sua porta.

-Hoje se completa a semana – disse ele.

-Quer dizer que agora posso ver o guru? – perguntou ela, ansiosa.

-Primeiro, precisamos fazer um exame de fezes.

-Quê?!

-É necessário, para verificar o seu estado de purificação física. A abóbora tem esse efeito sobre o corpo. Ao fim de uma semana, mesmo as fezes estão tão depuradas de elementos venenosos, que não têm cheiro. É por isso que precisamos examiná-las.

-Está certo – suspirou ela.

Ao meio-dia, o monge voltou. Parecia satisfeito.

-E então? Agora posso ver o guru? – perguntou Eloá, os olhos brilhando, pensando em todos os sacrifícios que fizera para chegar até ali. O monge, solene, declarou:

-Minha senhora, ninguém pode ver o guru. O guru não existe. O guru somos todos nós, na medida em que lutamos pela perfeição. A senhora é um guru.

Publicado na coletânea de contos “Bomba-Relógio”, pela editora da FURB, em 1993, em Blumenau.

budasol.jpg


 
 
 

Comments


Destaque
Tags

Um Texto para Mim

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Google+ B&W
bottom of page