A Menina Unicórnio
- Roberta Güttler de Oliveira
- 8 de jun. de 2015
- 3 min de leitura

Fui numa formatura de ensino médio - vulgo terceirão - de um dos colégios católicos mais tradicionais de Florianópolis. Uma super produção do evento e formandos e familiares também super produzidos. Meninas de 17 anos parecendo mulherões com seus vestidos de pedrarias super decotados e curtos. Dizem que tá na moda...enfim, o negócio todo era praticamente um show...minha cerimônia de colação de grau na universidade federal foi muito mais simples...enfim (novamente).
A questão nem é tanto as pompas, foi apenas para contextualizar...mas sim que, num dado momento, passou um vídeo de cada um dos quarenta e poucos formandos falando quais eram seus sonhos. Menos de um por cento falou diferente de: "Quero entrar na faculdade de engenharia/medicina/direito/ou qualquer outro curso renomado/ e ser uma pessoa de sucesso!"
Uns outros falaram que queriam ser atletas... bailarinas... de sucesso! Mas eis que surge uma figura, uma menina que não era daquele mundo e arrebatou a platéia com uma voz infantilizada: "Meu sonho é ser um unicórnio alado cor de rosa e voar saltitante pelas nuvens até encontrar um arco íris colorido". A equipe da produção até se deu ao trabalho de ilustrar o momento em que ela falava e fazendo aparecer o tal arco íris sobre sua cabeça.
Todo mundo deu gargalhadas...reparei nos formandos, a maioria fez questão de mostrar a cara de "ai, que mico, sem noção!"...alguns da platéia também tiveram a mesma reação. Eu, particularmente, achei o máximo! "Nossa, quem é essa menina? Como teve coragem de fazer isso na formatura do segundo grau? Que personalidade!"
As mesmices da cerimônia continuaram...fotos, melhores momentos, homenagens...passa-se uma hora...e chegou o momento do vídeo surpresa que os pais homenagearam seus filhos formandos. Eles diziam o que desejavam para as vidas de seus filhos. Fiquei pasma. Menos de um por cento falou diferente de: "Quero que você entre na faculdade de engenharia/medicina/direito/ou qualquer outro curso renomado/ e seja uma pessoa de sucesso!"
Apenas uns três pais, casais ou não, falaram algo do tipo: "Meu filho querido, o que mais desejamos a você é que sejas feliz na tua vida."
Um casal falou: "Filhota querida, queremos muito que realizes todos seus sonhos, que sejas muito feliz! Que possas fazer do mundo algo melhor! Mas o que mais desejamos mesmo é que possas realizar teu sonho de infância, porque não tinha nada no mundo que querias tanto além de ser...Uma Mestra Pokémon!!!" Platéia (sim, plateia porque era um show) arrebatada novamente! Só podiam ser os pais da menina unicórnio, é claro!
Pronto, entendi como a menina teve coragem de sair do script adolescente, pagar o mico e ser original. Achei o máximo!
Mas, óbvio...a cena se repetiu...todos deram gargalhadas...mas as caras de "vergonha alheia" estampavam os rostos da sociedade de "sucesso" florianopolitana.
Depois que tudo acabou, sondei com a formanda que fui prestigiar sobre a menina unicórnio pokémon. "Ah, é a fulana, ela é sem noção mesmo, vai prestar vestibular de design". Me soou como: "Credo, que futuro terá essa menina...já é meio estranha e ainda não terá uma profissão de renome".
Tiro meu chapéu pra essa garota que sobreviveu a este meio chato, com pessoas iguais, sem coragem de serem diferentes, de se expressarem...e de ainda julgarem quem assim é. Tiro meu chapéu aos seus pais, e aos poucos outros, que realmente queriam o bem estar de seus filhos e não apenas se preocupam com seus futuros de "sucesso" que sabe lá será a felicidade deles.
Enfim...foi apenas um desabafo de uma cena inusitada...mas não inusitada pelo um por cento "anormal" daquele evento, mas sim pelos outros tristes noventa e nove por cento de "valores de sucesso" daquelas famílias.
E antes que me perguntem: Eu juro, foi tudinho real!
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