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A Certeza do Abraço

  • Roberta Güttler de Oliveira
  • 28 de mai. de 2015
  • 5 min de leitura

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A Certeza do Abraço

Estava num lugar único. Perfeito. Definitivamente era o lugar mais bonito que já vivenciara. A paz e a energia eram especiais. Uma pradaria verde imensa com pequenas flores de campo amarelas e brancas, esparsamente espalhadas. À sua direita, havia um riacho que acompanhava o relevo do local com suas leves ondulações. A água era tão clara que se via os seixos rolados ao fundo raso. Até onde podia enxergar naquele campo, avistava, lá ao fim, muitos pinheiros altos...parecia um cortinado verde escuro.

Foi andando pela beira do riacho atraída pela pequena ponte de madeira com leve forma de arco, que parecia estar lá por mera decoração. O riacho era tão estreito que poderia pular sobre ele para se alcançar ao outro lado.

Antes mesmo que pudesse chegar na pontezinha, percebeu algo muito distante vindo em sua direção. Demorou pra identificar que era uma pessoa. Deveria ter saído dos pinheiros e continuava a caminhar serenamente. Os raios de sol, que também passavam por dentre as folhas das árvores, iam reto aos seus olhos, ofuscando sua visão.

Por alguns segundos lembrou-se de sua infância.

Sua mãe estava doente, mas não tinha noção da gravidade. Quando se tem oito anos acha-se que doença é tudo igual...é só tomar um remédio, descansar, que no outro dia já está tudo curado.

No início até achou interessante ter a sua mãe um pouco adoecida, pois assim ela ficaria o tempo todo em casa. Assistiam televisão juntas no sofá ou brincavam de jogos de tabuleiro sobre a cama de casal a tarde inteira.

Mas, em pouco tempo, muita coisa começou a mudar. Sua mãe passou a ser internada em hospitais. A casa começou a ficar agitada. Sempre tinha alguém diferente pra cuidar da menina e seu irmão mais novo. Muitas vezes eles iam de casa em casa...dos avós, dos tios...seus pais ou estavam no hospital ou estavam viajando em busca de tratamentos. A menina sentia muita falta deles. Ficava ansiosa esperando pelo dia em que apareceriam para buscá-los e irem pra casa juntos.

Esses eram os melhores dias, quando a família parecia normal novamente, ela e o irmão juntos de seus pais, sozinhos em casa...sempre escutando uma boa música. Apesar de sua mãe não ter mais a aparência anterior, achava-a normal e bonita. Não tinha mais seus cabelos lisos castanhos nem suas sobrancelhas. Suas maçãs da face não eram mais vistosas, mas seu sorriso e seu abraço continuavam lá.

Às vezes, só seu pai voltava pra casa, mas sabia que em breve veria sua mãe. Sempre ia visitá-la no hospital. Chorava ao ter que ir embora, queria ficar ali...passando a tarde inteira na cama abraçada com sua mãe, assistindo televisão. Não podia, as regras do hospital não permitiam.

Nunca viu sua mãe reclamar de nada...só uma única vez quando estava se preparando para mais uma sessão de quimioterapia. Ela também odiou a peruca que teve que usar no casamento de seu irmão, tio da menina. Preferia seu chapeuzinho de aba redonda e, em casa, gostava de ficar com a cabeça nua.

A menina fez nove anos. E aquele aniversário parecia ter feito entender melhor o que estava acontecendo. Parece que ela deixou de ser criança justamente ali. Mas foi um aniversário especial, toda sua família e seus amigos encheram a casa. Sua mãe sorria e parecia estar disposta. Preferiu usar seu chapeuzinho a sua peruca, mesmo sendo uma festa.

Foi percebendo que passavam noites e sua mãe acordava cada vez pior no dia seguinte. Observava diariamente seu pai aplicar injeções de morfina em sua mãe. Ela realmente parecia mais aliviada depois da medicação.

Um dia, lhe veio uma pergunta em sua cabeça. Não soube de onde veio nem o por quê. Na sua inocência infantil foi ao quarto que sua mãe estava descansando durante a tarde e perguntou: "Mãe, você vai morrer?". Assim, na lata! Sua mãe ficou alguns segundos em silêncio e com a voz engasgada falou: "Não". Só isso e mais nada.

A menina ficou aliviada, deu as costas e voltou a brincar na sala. Pronto, a única vez que teve uma dúvida na vida se resolveu fácil... Aquilo não era mais um problema e ela passou a se acostumar com a nova rotina e com as ausências temporárias e cada vez mais longas da mãe. Sabia que uma hora ia voltar tudo ao normal. Confiava nas palavras de sua mãe.

Em uma dessas ausências percebeu que algo estava mais estranho que o usual. Muito mais gente estava na sua casa. Seu pai estava muito triste quando voltou pra casa sozinho.

Ele chamou a menina e o irmãozinho e contou com lágrimas escorrendo pela face que sua mãe não voltaria mais pra casa. Que a partir de então ela estaria no céu, mas que sempre estaria em seus corações.

A menina não acreditou. Correu até o quintal de trás da casa, batendo as portas por onde passava. Chorava e berrava. "Ela mentiu! Ela disse que não ia morrer!". Era uma mistura de tristeza, raiva e traição.

Seu pai perguntou se queria ir ao enterro, mas a menina não quis. Por muito tempo achou que um dia a mãe voltaria. Por muito tempo preferiu escolher sentir a raiva pra não deixar a tristeza a dominar. Nunca mais ninguém de sua família viu a menina chorar pela sua perda. Não adiantava, a tristeza teimava em ser maior...por dias, meses e anos. E a menina chorava todas as noites em sua cama. Detestava as noites...era naquele momento que sua realidade voltava à tona.

A raiva passou, mas veio a culpa em seu lugar. Se sentiu culpada por anos em ter tido raiva da própria mãe pensando que tinha sido abandonada, que poderia ter sido uma escolha dela morrer.

Uma nuvem passou rapidamente e fez sombra aos seus olhos. Suas lembranças se foram e estava novamente ao lado do riacho. O som da água corrente era música junto dos cantos dos passarinhos que voavam de um lado pro outro.

Lembrou-se da pessoa que estava vindo até si. Seus olhos iam acostumando-se com a luz à medida que a nuvem ia embora. O céu agora estava mais que perfeito. Tudo estava em harmonia.

A pessoa estava cada vez mais próxima. Usava uma roupa larga branca e seus pés estavam descalços. Abriu os braços e um sorriso calmo. Em meio a luz, a menina já havia reconhecido aquele sorriso. Não hesitou em abraçar sua mãe que finalmente voltou. Pode sentir todo o amor naquele abraço. Calmo e aconchegante. Suas almas tornaram-se uma durante alguns segundos. Sua mãe fitou seus olhos, sorriu novamente e se foi.

Foram nove anos de espera. A certeza daquele abraço era certeza de que sua mãe não estava chateada, que não haveria necessidade de culpa. E sim, nenhum de seus pais haviam mentido...sua mãe continuaria viva em seus corações.

Acordou...serena e feliz.


 
 
 

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