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O Buquê

  • Roberta Güttler de Oliveira
  • 21 de mai. de 2015
  • 5 min de leitura

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O ano era 1978. O jovem casal finalmente havia comprado sua casinha. Fazia quatro anos que estavam casados e morando de aluguel. O local escolhido era um terreno comprido com uma pequena edificação de telhado meia água encostada no muro dos fundos.

Com muito capricho, arrumaram seu humilde lar. O fogão e a geladeira eram vermelhos. A salinha tinha um papel de parede floral. A janela do quarto era emoldurada com uma cortina de crochê. Do lado de fora, escolheram a cor rosa pra dar vida a casa. Mas o quintal ainda não estava bonito, a terra suja o fazia parecer morto.

Aos poucos, o jovem, junto de sua esposa, foi acompanhando sua grama espalhar-se, fazendo os canteiros no entorno do muro, colocando vasos e escolhendo a composição das flores. Fizeram um caminho delicadamente sinuoso de britas, contornado por pedras maiores e irregulares pintadas de branco, que ligava o portãozinho da frente até a porta de entrada da casinha. Em uma das leves curvas do caminho, havia uma charmosa iluminação de jardim. Era um pedestal baixo de ferro fino com detalhes florais na parte superior, formando um ganchinho que dependurava uma lamparina sextavada com detalhes vitrificados que faziam radiar uma luz amarela vindo de seu interior.

À noite, era a única luz do jardim, iluminando o chão em torno de si num raio não maior que uns cinqüenta centímetros. Do portãozinho de entrada até metade do caminho era possível caminhar com luz branda vinda do poste da rua somada à da lamparina. A outra metade era um breu em noites não estreladas ou enluaradas. Tinha que se memorizar a posição dos passos para não tropeçar nas pedras brancas. Ao vento, a lamparina se balançava fazendo com que o círculo de luz provesse vida ao caminho de britas.

Passou-se um ano desde que se mudaram. Os pedestres costumavam parar em frente ao seu terreno para admirar aquele quintal e casa tão caprichosos. Muitas senhoras chegavam a elogiar a beleza do jardim, principalmente das flores. Sempre tinha uma espécie florida. As rosas amarelas eram mais bonitas nos meses de março e abril. As rosas vermelhas e brancas tinham seu esplendor em maio.

Algumas vezes, as senhoras pediam mudinhas de suas folhagens. O jovem rapaz compartilhava daquelas que conseguia tirar sem prejudicar o jardim, afinal foi assim que foi floreando-o. As únicas que não podia retirar eram as rosas. Eram poucas, apenas uma de cada cor e não brotavam todos os meses do ano. Tinham um lugar especial no quintal, ficavam ao lado da lamparina. Eram as únicas que recebiam luz dia e noite.

O tempo andou novamente, tiveram um casal de filhos e a casinha cor de rosa ficou pequena. Conseguiram, com suas economias, construir uma casa mais confortável na parte da frente do terreno. O caminho de pedras, a lamparina e as rosas deram lugar aos tijolos e massa que foram cobertos por tinta verde clara. A maior parte da grama foi concretada para permitir o acesso do fusquinha branco que era guardado na garagem aos fundos do terreno, a antiga casinha.

Desde então, o quintal já não era mais o mesmo, os frutos daquele lar passaram ser outros...suas crianças. Restaram-lhe apenas uns três metros de faixa na frente da casa onde passou novamente a criar um novo jardim. As valiosas rosas não foram esquecidas. As poucas flores que sobraram foram transplantadas para próximo do muro da fachada. Plantadas bem na frente do janelão da sala principal, era possível sentar-se no sofá de três lugares e apreciá-las. Junto delas, o jovem plantou um novo elemento... um cedrinho.

O caminho de pedras sinuoso deu lugar a um calçamento reto vindo do portão mais alto que substituiu o portãozinho. Novamente, o jardim voltava ter seu charme. O novo caminho retilíneo foi contornado por arbustos verdinhos. A lamparina passou a não existir mais, estava muito enferrujada.

As singelas rosas ainda eram as celebridades daquele quintal e faziam sucesso. As crianças respeitavam as flores e nunca sequer tinham arrancado uma pétala. Aprenderam a admirá-las ali no jardim.

Durante toda sua vida, em ocasiões especiais, o jovem comprava um buquê de flores da floricultura da rua de baixo e entregava a sua esposa que, cuidadosamente, punha em um vaso de cristal e deixava sobre a mesinha de centro da sala. Sentados no sofá, era possível ver aquele buquê imponente em primeiro plano e, em segundo plano, as singelas rosas do jardim por trás do janelão de vidro.

Os filhos cresceram e vieram seus netos. Muitas vezes o jovem, agora com seus setenta anos, sentava no sofá de três lugares, apreciava seu charmoso jardim e se dava conta como aquele cedrinho estava crescido. Todo ano tinha que podá-lo, senão poderia ficar mais alto que sua casa. Percebia como o tempo havia passado e lembrava de sua vida. Momentos difíceis da infância, momentos alegres quando conheceu sua esposa, seus filhos. Sempre falava de um dia ensolarado que seu filho, aos cinco anos, estava apreciando o jardim, escutando os passarinhos e soltou uma frase mágica cheia de satisfação: "Ah, que dia feliz, pai". Quando o menino parecia falar que o dia estaria bonito, falou que o dia estava feliz...aquilo o emocionou.

Deu-se conta que tinha cumprido seu papel...um bom marido, um bom pai, um avô muito carinhoso.

Estava só aguardando a próxima ocasião especial para homenagear mais uma vez sua amada esposa. Depois de tantos anos queria dar o melhor buquê de todos, queria que fosse único.

Uns quarenta anos depois de terem se casado, chegou mais um dia das mães. Acordou cedinho e procurou em mais de uma floricultura e nada lhe chamava atenção. Estava chateado, não encontrara um buquê tão bonito quanto imaginara. Voltou pra casa de mãos vazias...entrou em casa e sentou-se pensativo no sofá. Ao ver o jardim, algo se iluminou. As rosas vermelhas e brancas estavam esplêndidas...afinal, era maio! Estavam tão radiantes que pareciam estar sendo iluminadas pela antiga lamparina enferrujada.

Pela primeira vez, teve coragem e colheu com zelo três botões, dois vermelhos e um branco. Com carinho, colocou-os no vasinho de cristal. Ainda faltava uma coisa...uma folha do cedrinho! Pronto, nunca vira buquê tão especial, estava orgulhoso. Deixou-o ali na mesinha de centro aguardando ser percebido. Sentia-se igual ao seu filho aos cinco anos de idade.

O jovem não aguentou a espera e chamou sua esposa. Ao chegar na sala, ela se iluminou, arregalou os olhos e abriu um sorriso envergonhado... Ele percebeu, então, que valeu a pena ter esperado tanto tempo pra colocar aquelas flores no vaso.

Mais uma mágica imagem ficou em sua memória. Seu buquê de três botões que cuidou uma vida inteira em primeiro plano e sua flor mais preciosa, sua jovem companheira, sorrindo no plano de fundo...iluminada.


 
 
 

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