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A Vida com a Luna

  • Foto do escritor: Priscila Pfau
    Priscila Pfau
  • 19 de mar. de 2015
  • 6 min de leitura

Não!

Tudo que eu não queria era um cachorro. Eu tinha duas gatas em casa e nem pensava em estragar a vida delas com um cachorro. Nem a minha, afinal, um cachorro dá muito trabalho, é dependente, essas coisas. Mas havia um porém. A minha casa tinha sido assaltada. Eu me sentia insegura, foi muito ruim. Meu namorado só falava que eu precisava de um cachorro. Todos falavam que eu precisava de um cachorro. E por ironia do destino, meu tio que tinha um casal de pastor alemão, estava com a fêmea para parir. Não deu outra, um dos filhotes seria meu.

Depois de nascidos fui escolher. Eram dois machos e duas fêmeas, todos lindos. Eu queria a menor fêmea. Acho que estava com medo de ter um cachorro grande, perto das gatinhas lá em casa. A menor fêmea já estava prometida. Fiquei com a fêmea grande. Tinha que esperar o tempo de desmame, essas coisas.

Esqueci o assunto. Um belo dia minha mãe apareceu com a tal fêmea. Ela visitou meu tio e ele disse “Leva prá Priscila”. Lá estava eu, com uma cachorrinha bebê, de dois meses, uma graça. Meu namorado feliz, todos felizes. Me avisaram que chorava muito nas primeiras noites, mas ela era forte. Chorou cinco minutos na primeira noite e dormiu. As gatinhas, Tií e Saori, detestaram a novidade. Paciência.

Foi difícil escolher um nome, vieram sugestões de todo lado. Luna.

A Luna crescia e tentava se enturmar com as gatas. Não tinha jeito. Mas era bonitinho. Ela tinha muita boa vontade e as gatinhas só má vontade. Foram rosnados para cá, arranhadas no focinho para lá. Mas foi todo mundo se ajeitando. Acho que a Luna achava que era um gato. Ela seguia as gatas que pulavam na janela de casa. A Luna ia atrás, tentava pular e não conseguia.

A Luna me deu muito trabalho. Ela era inquieta e desobediente. Rasgou muitas roupas minhas, me sujava quando eu ia sair para trabalhar, fugia cada vez que eu abri a portão, pulava em todo mundo que chegava lá em casa. Uma peste. Ainda por cima, foi atropelada ainda bem nova, tinha 6 meses. Foi um Deus nos Acuda! Quebrou a bacia, ficou dentro de casa por meses, deitada. Eu tinha que pegar ela no colo para levar para fora de vez em quando. Com isso, ela ficou mais mimada.

Ela me tirou do sério tantas vezes que nem lembro mais. Foram inúmeras vezes que eu estive para doá-la para o primeiro que aparecesse. O Guilherme, meu namorado, sempre defendia a Luna, mas até ele estava desistindo. Resolvemos adestrá-la.

O adestrador, com todas as suas teorias infalíveis, passou trabalho com a Luna. Ela aprendeu muita coisa, é verdade. Parou de fugir, de ficar na frente dos carros, de pular em mim e em todas as outras pessoas, melhorou muito. Mas no geral não obedecia nem o adestrador. Mas valeu a pena. De certa forma, essa personalidade dela me orgulhava de uma maneira diferente. Ela tinha vontade própria. Não era um cachorro submisso. Achei legal.

Ela sempre foi espevitada, alegre, doce, carinhosa e cheia de energia. Parecia sorrir a maior parte do tempo. Também tinha suas “crises de depressão”. Ver ela triste era insuportável.

Foi crescendo. Uma orelha nunca levantou. Isso dava a ela um ar de criança. Não era exatamente o que todos esperavam de um Pastor Alemão para defender a casa. Tinha um aspecto de gente boa, inocente e até bobona às vezes. Gostei disso também. Não queria um cão ameaçador. Na verdade, quanto mais o tempo ia passando, mas eu via que queria a Luna, bem assim como ela era.

Depois de um tempo, minha irmã voltou de Londres e voltamos a morar juntas. Abandonaram um cachorrinho em frente a nossa casa, que virou amigo imediato da Luna. Os dois brincavam juntos, mesmo com a tela da cerca os separando. Minha irmã ficou compadecida com o tal cachorro, logo ele estava na nossa casa. O Miró, virou o amigo inseparável da Luna e as gatinhas ficaram estarrecidas com mais este habitante no quintal!

Fazíamos tudo com eles. Ida ao banco, ao mercado, passeios, trilhas. Eles provocavam as gatas, elas provocavam eles, uma loucura. A Luna ia de carro comigo prá lá e prá cá. Adorava andar de carro. Virou minha companheira de comer pipoca vendo filme. Dormia dentro de casa, num cantinho perto da porta. De manhã, acordava cedo e ia até me quarto, me dar uma fungada porque queria sair e comer.

Depois de alguns anos, fui morar com o Guilherme. E daí veio o drama: juntar os cachorros dele com a Luna. A Luna foi separada do seu grande amigo Miró e veio morar com dois cachorros que não gostaram dela. Achei tão triste. Mas tinha que ser, ela iria se acostumar. Era um macho, o Hemp, que não dava muita bola para a Luna, e uma fêmea, a Hashi, que detestou a Luna. As duas brigaram feio por duas vezes. Feio mesmo. Com direito a machucado, pontos e chamada de emergência para o veterinário. Resultado: uma presa no canil e a outra solta. E assim, fazíamos revezamento delas o dia todo, todos os dias. Resolvemos nunca mais testar se elas se dariam bem. O tempo passou e as coisas se ajeitaram novamente.

A Luna sempre com seu jeito de criança. Sempre me procurando com os olhos, me seguindo pelo quintal. Eu ia para a cozinha, ela ficava me olhando na porta dos fundos. Eu ia para a sala, ela ia para a porta da frente. Sempre com pressa, sempre correndo. Às vezes ainda dormia dentro de casa. Sempre esperava o meu carro entrar em casa e ficava do lado da minha porta para ganhar um carinho. Sempre queria experimentar aquilo que eu ia comer. Sempre curiosa para ver o que eu estava segurando, lendo, fazendo. Gostava de passear nas dunas em frente a nossa casa. Subia e descia mil vezes a mesma duna. Sempre com energia sobrando.

E assim sempre foi, a Luna, Luneta, minha princesinha.

Quando descobri que estava grávida, fui ter uma conversa séria com ela, avisei que ela teria um irmãozinho. E de fato, ela foi a cachorra da casa que mais atenção deu ao nosso filho, Bruno, pois todos os cachorros já estavam mais velhos, mais cansados, mas ela, sempre com toda a energia e disposição para ele, e para nós.

Claro que ela teve um ciúme dele, do Bruno, logo que ele nasceu. Ela até ficou doente. Mas depois passou. E ela, que nunca pode ter filhotes, acabou brincando de “corre corre corre” com meu filho ao redor da casa.

Eu nem sabia que existia uma doença chamada Cinomose. Não sabia que existia uma vacina preventiva. Ela pegou esta doença. A Hashi havia falecido há três meses, de um câncer, quando a Luna pegou Cinomose. Foi muito agressivo. O veterinário praticamente a desenganou. Eu tinha que decidir se sacrificava a Luna, mas isso parecia inexplicável para o meu coração. Ela não andava, não comia, não bebia, estava magrinha e sem nenhuma reação. Resolvi ter uma conversa com ela em casa. Falei que precisava de um sinal dela, qualquer coisa. Queria saber se era melhor sacrificá-la, se eu estava sendo egoísta em querer tanto que ela vivesse. Falei com ela que eu não podia decidir isso sozinha. E então, ela fez um esforço absurdo e conseguiu tomar água. Foi o sinal que eu precisava. Fizemos todo tipo de tratamento, do convencional ao alternativo. Em poucas semanas ela melhorou muito, ficou bem mesmo, normal, como sempre. Andava, brincava, voltou a engordar. Mas o resultado do exame ainda apontava positiva a doença.

AindA assim, o veterinário achou que deveríamos suspender a medicação, pois precisávamos ver se ela estava bem de fato. Ela ficou pouco mais de um mês sem tomar os remédios. E então, logo em seguida do ano novo, ela teve uma recaída terrível. Voltamos com todo o tratamento, tudo do zero. Mas foi muito agressivo, e desta vez, ela não quis tentar se ajudar. Eu vi ela desistindo. Eu acho que fui desistindo também. O meu pressentimento era que desta vez, ela não ia resistir. E não resistiu. A Luna se foi, cinco dias depois desta recaída, já não andava, já não comia nem bebia. Já não reagia.

Quase não tive reação quando a encontrei morta, depois do almoço, dia 07 de Janeiro de 2015. Demorei alguns minutos para sentir o quanto isso ia ser dolorido.

Eu a vejo por toda parte, pois ela estava sempre em toda parte. Eu sinto uma saudade imensa. Lembro do sofrimento dela e penso que eu poderia ter feito alguma coisa, depois tento me convencer que foi melhor assim. É o que todo mundo diz. Mas, o nosso quintal está mais triste e sem graça.

Hoje fiquei pensando nessas discussões intermináveis sobre qual animal é melhor para se ter em casa: gato ou cachorro. Cada um defende o seu bichinho. Mas acho que quando nós deixamos eles entrarem realmente na nossa vida, eles deixam de ser gatos ou cachorros, é algo diferente. Eles fazem parte de tudo, nos observam atentamente, nos conhecem, nós aprendemos a conhecê-los. Eles são amigos verdadeiros, daqueles que não nos julgam e só nos amam, assim, como somos. Gosto de pensar que aqui, na Terra, a Luna foi um integrante da nossa família, mas agora, no céu dos animais, ela é mais um anjo feliz.

Escrito dia 07 de Janeiro de 2015

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